terça-feira, 5 de julho de 2011

VERMELHO


E disse Esaú a Jacó: Deixa-me, peço-te, comer desse guisado vermelho, porque estou cansado. Por isso, se chamou o seu nome Edom. (Gênesis 25:30)

Ao ouvir o choro do bebê finalmente Isaque sente alívio. Foram horas apreensivas fora da tenda esperando as parteiras realizarem seu trabalho. Aquele choro significava que seu clã perduraria. Mas, enquanto se preparava para entrar e conhecer o herdeiro, outro choro surge, formando um dueto em tons desafinados. Levando o patriarca entra apressadamente na tenda. As parteiras lhe apresentam seu primogênito, posição conquistada por milésimos de segundo, pois seu irmão veio literalmente segurando seu calcanhar.

Como é narrado em Gênesis 25 “O que nasceu primeiro era vermelho e peludo como um casaco de pele; por isso lhe deram o nome de Esaú. O segundo nasceu agarrando o calcanhar de Esaú com uma das mãos, e por isso lhe deram o nome de Jacó...” (Gn 25:25-26a - NTLH). No entanto, Esaú passaria mais tarde a ser chamado de “Edom” (que em nosso idioma significa “vermelho”), após ser seduzido por seu irmão a lhe vender seu direito de primogenitura em troca de um prato de guisado vermelho.

Acredito que não era fácil conviver com esse apelido, pois retratava vergonha e perda. Em nossos dias Esaú talvez fizesse parte nas estatísticas das vítimas do [1]bullying. Mas ele acabou adotando o apelido. Vermelho era um perito caçador, seu pai Isaque se orgulhava disso, pois apreciava muito degustar as iguarias que seu filho preparava com o resultado de suas caçadas (Gn 25:28). Porém, eu acredito que ele aderiu mesmo ao “vermelho” após a trapaça. Quem sabe preferia ser chamado assim para não esquecer-se de sua vingança. Quer saber qual foi a trapaça?

Seu pai, já velho, pediu que fosse caçar e lhe preparasse um prato especial (Gn 27). Naquela noite Esaú receberia a benção de Isaque, o patriarca. Não eram simples palavras, e sim a definição de seu futuro (Hb 11:20). Vermelho retorna da caça, e ainda cansado prepara o guisado. Enquanto a iguaria vai ao fogo, ele toma um banho rápido, coloca sua roupa de festa, passa seu perfume especial com essência de suor de búfalo, depois ajeita a gororoba na melhor travessa, e não esquece o acompanhamento, pão e vinho. Ao se aproximar escuta o ronco do pai, que satisfeito e regalado tirava um cochilo após se saciar com o jantar que o irmão já havia trazido. Voltando um pouco a história, Rebeca, mãe de Esaú e Jacó, ouviu quando Isaque pediu ao filho para caçar e, como ela sabia que ele o abençoaria após a refeição se adiantou. Enquanto Vermelho caçava, ela preparou o rango, vestiu Jacó com as roupas do irmão, passou o perfume suor de búfalo nele, colou pelos em seus braços e o enviou para se passar por Esaú. É fácil nos colocarmos na pele de Edom, e como ele, ficarmos literalmente vermelhos de raiva. Esaú ficou tão revoltado, que jurou que após a morte do pai mataria Jacó (Gn 27:41). Rebeca ao ficar sabendo, enviou o filho caçula para morar com o tio Labão, na esperança de que em alguns dias a fúria de Vermelho acabaria, mas a cada vez que ouvia o nome Edom, seu rancor se fortalecia, e os dias foram se transformando em anos, e ela provavelmente tenha morrido de desgosto.

Muitas vezes ouvi ou li o reencontro desses irmãos pela ótica de Jacó, porém proponho que dessa vez acompanhemos Esaú. Esta mensagem nos leva exatamente para esse momento, o reencontro e a reconciliação. Como afirmou o apóstolo Paulo: “Ora, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação.” (2 Coríntios 5:18-19). A cor vermelha nos remete ao sangue, sofrimento, feridas e marcas. Estigmas da traição, do desprezo, do abuso, da dor. A esposa abandonada, a filha violentada, o empregado humilhado. O preconceito, o abandono, a solidão e a exclusão. Só você sabe o quanto doeu, as lágrimas que derramou, o quanto tudo isso te custou. Parece que todo mundo só enxerga “Jacó”, humilhado, arrependido, manquejando após ser ferido por Deus em Peniel (Gn 32:31). Mas e Esaú, Edom, o vermelho? Ninguém se lembra de sua dor? Não tinha ele motivos para se vingar? E como fica você? – Eu o convido a subir no cavalo a junto com Vermelho e seus quatrocentos servos e cavalgar ao encontro de Jacó. Esaú estava mais bem preparado, era mais forte, tinha homens fieis ao seu lado e estava em seu território. Enquanto Jacó enfraquecido pela luta da madrugada anterior (Gn 32:24-31), passa a frente de todos e por sete vezes se inclina com rosto em terra, era seu pedido de clemência, o reconhecimento de seus erros, sua humilhação. Espere um pouco! Nós estamos com Esaú, com a fúria, as marcas, a força... Não vamos fraquejar agora!

Vermelho desce de seu cavalo, corre ao encontro do irmão (que também mudou de nome, agora Jacó se chama “Israel”, que significa “Deus prevalece”) e se lança ao seu pescoço, mas não para mata-lo, e sim para abraça-lo e beija-lo. Eles formam novamente o antigo dueto de choro, suas vozes agora são bem mais graves, mas ainda desafinadas. Vermelho nos revela um coração tão branco como a neve, curado, abençoado. Ele trocou toda sua bagagem por algo mais valioso, algo mais leve. Esaú escolheu o perdão, a reconciliação. Como no novo nome de Jacó, Deus prevalece. Edom vence seus estigmas. E Jesus nos convida: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve.” (Mt 11:28-30).

Quantos hoje estão “vermelhos”, apesar de terem uma vida próspera, permanecem com seus corações manchados e feridos. Pessoas que já construíram novos relacionamentos, foram restituídos na área familiar, ministerial, financeira e profissional, mas que carregam pesados fardos de amarguras e vinganças. Pois não se conformam em ver “Jacó” prosperando, desejam que ele seja punido. Suas vidas ficam algemadas, e somente a chave do perdão pode abrir essas cadeias. Não podemos negar que já estivemos no lugar “Jacó”, mas hoje olhamos pela ótica de Esaú, poderemos agir como ele? – O convite de Deus é para todos: “Vinde, pois, e arrazoemos, diz o SENHOR; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã.” (Isaías 1:18). Deixe de vestir-se vermelho, pois Jesus quer sua noiva de branco.

Clamemos como o salmista Davi: “Purifica-me com hissopo, e ficarei limpo; lava-me, e ficarei mais alvo que a neve.” (Salmos 51:7)

O “vermelho” deixa de simbolizar a vingança, e passa a ser a marca da reconciliação, do perdão e da graça. Quando olhamos para cruz de Cristo e pela fé contemplamos seu sangue sendo derramado. Sangue vermelho, que foi o preço pago por nossas transgressões. É o sangue de Jesus que nos que nos redime e nos une ao Pai. Como está escrito: “Mas, agora, em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo.” (Ef 2:13). Deus quer que vivamos a reconciliação, não somente com Ele, mas também no uns aos outros.

“Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado.” (1 João 1:7)

Ev. Elias Codinhoto



[1] O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully, que significa valentão, brigão. Mesmo sem uma denominação em português, é entendido como ameaça, tirania, opressão, intimidação, humilhação e maltrato.